domingo, 4 de setembro de 2011

CARTA DE UMA PROFESSORA EM GREVE

Fortaleza, 31 de agosto de 2011.

Sou professora da rede publica há dezesseis anos e posso assegurar que trabalho, não por amor, visto que amor não é a moeda do nosso mercado, mas com amor e dedicação. Prova disso é minha ficha funcional e prova maior são os meus alunos e ex-alunos que, se perguntados sobre minha conduta como educadora, dirão “é muito exigente”, jamais dirão “é relapsa”.
Apresento-me desse modo apenas para comprovar que estou apta a comentar a fala do senhor governador Cid Gomes ao jornal Diário da Manhã, da TV Diário, no dia 30/08/2011, que confirma o que ele vinha afirmando em seus pronunciamentos: professor deve trabalhar por amor e não para ficar rico.
Ouvir do senhor governador aquilo que, segundo ele é o seu pensamento “quem está no serviço publico deve trabalhar por vocação e não para ficar rico – governador, prefeito, deputado, senador, vereador, policial, médico, professor – deixou-me indignada, é impossível silenciar.
Quem tem a pretensão de ficar rico no serviço publico? Os policiais que deixam suas famílias e vão arriscar a vida nas ruas? Voltar para casa é a grande vitória!
Os médicos que trabalham em hospitais superlotados, em condições precárias, a ponto de, muitas vezes ser para eles um desafio salvar vidas?
Nós, professores, que trabalhamos em salas com 45, 46, 50 alunos, ganhando um, misero valor hora-aula e tendo que, além de nossa formação, ser pedagogos, psicólogos e até bibliotecários, visto que nossas escolas não dispõem desses profissionais?
Diante dessa realidade, ainda temos que ouvir que escola boa é a privada, onde o senhor governador sempre estudou. Tal afirmação vem no exato momento em que é divulgado que a escola publica do Ceará é a melhor do Nordeste! Tal resultado, convenhamos, deve-se, em grande parte, à dedicação de mestres que, como eu, estão na escola até mesmo além de sua carga horária, ministrando aulas para ENEM, olimpíadas, feiras, concursos, ou desenvolvendo projetos que destacam o nome da escola ou do próprio governo. Professores que, estando além de sua carga horária, não recebem um centavo a mais, seu ganho é a vitória do estudante.
Não, não temos a pretensão de ficar ricos, mais exigimos respeito e dignidade, pois, como bem afirma a letra da música Comida do grupo Titãs, “... a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...”.
Sim, nós lutamos pelo direito de ser cidadãos, pois formamos cidadãos. Queremos comprar livros, fazer cursos, ir à praia, ao cinema, ao teatro – porque não?
Dizer que o professor não precisa cursar além da graduação é negar aos filhos dos pobres, que não têm condições de, como o senhor governador, estudar em escola particular, o direito de uma melhor educação, pois o que aprendemos representa, sem sombra de duvida, uma grande melhoria em sala de aula.
Qualquer governante que se preocupa com a educação investe no profissional, (veja os PCNs, o ENEM), pois sabe que o conhecimento é mutável e o professor deve, sim, estudar continuamente. O investimento que o professor faz em sua melhoria como profissional tem que ser repassado em forma de salário. Negar aos professores o direito de obter essa justa elevação no salário é negar à camada mais humilde da sociedade uma escola publica de qualidade.
Agora, líderes do governo, acessores, dizem que o senhor governador foi mal interpretado. Mal interpretado somos nós, lutadores, que somos obrigados a ouvir tantos absurdos.
Não pretendemos ficar ricos, mas fica o questionamento: porque os cargos políticos, que são servidores do povo, têm uma folha de pagamento tão distinta da nossa?Onde fica o tão falado amor?
Para finalizar, uso palavras de uma grande amiga, Fleurilene Simone Lima Batista, professora como eu: “Construir sonhos é o nosso principal papel na escola, que lida diariamente com pessoas massacradas por um sistema que lhes priva direitos básicos como a boa alimentação, transporte, moradia, entre outros. A esses seres mostramos uma janela com oportunidades de formação pessoal e profissional.
Com amor é que nos damos a esses alunos, por escolha própria, e principalmente com profissionalismo, e por essa razão é que temos o direito, não é favor, a um salário por esse trabalho.
Com que propriedade diremos aos alunos que eles podem superar sua situação social, se nós não temos o suficiente para nos mantermos com dignidade? Trabalhando assiduamente e com profissionalismo para mantermo-nos na classe pobre da sociedade? Qual exemplo daremos ao aluno de lutar por seus direitos se nós nos curvamos ao governador que não quer pagar o que é devido por lei?
Experimente senhor governador, valorizar o profissional que forma seus eleitores, ou há o medo de eles passarem a não acreditar no senhor?”
Marizita Saraiva Rabelo


Um comentário:

  1. Saudações à todos!

    Principalmente à profª Marizita!

    Nem sei por onde começar, talvez por "obrigado". Agradeço à você por mostrar que não estou só em minha angústia. Angústia que é compartilhada por milhares de professores que hoje são oprimidos em suas cidades, estados. Por todo o nosso país, os professores estão sendo "caçados" e "punidos" apenas por que seus governantes não tem o menor interesse pelo bem do povo, quanto mais de uma categoria. Categoria esta que está ligada de forma quase simbiótica a essa mesma sociedade.

    Lhe agradeço pelas suas palavras. Ainda mais, lhe peço que sempre que puder compartilhe-as conosco.

    Cordialmente,

    Prof. Joaquim Veridiano
    http://zonal3aregiao.blogspot.com/

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